Viajar para o exterior é um sonho distante para muitas mulheres brasileiras, e essa dificuldade vai além da questão econômica. Para muitas, a ideia de sonhar é algo que nunca chega a ser pensado. Essa realidade foi destacada por Juliana Kaiser, professora e doutoranda na PUC-Rio, que pesquisa as desigualdades de gênero e raça.
Segundo Juliana, muitas mulheres, especialmente as negras e de comunidades periféricas, não têm seus sonhos incentivados. Ela explicou que, desde a infância até a juventude, a pergunta “o que você sonha para a sua vida?” raramente é feita a elas. Essa falta de incentivo e representação em ambientes de decisão, como universidades e espaços de poder, é um fator que limita as oportunidades. “Se não vejo alguém parecido comigo nesses lugares, acredito que não sou digna de estar neles”, afirma Juliana, ressaltando como isso impacta a percepção de possibilidade de sonhar.
O estudo intitulado “Os Sonhos Delas”, realizado pela ONG Think Olga, revelou que cerca de 70% das mulheres têm dificuldade em exercitar o sonho e alcançar uma vida segura e realizada após os 18 anos. Pelo menos 46% delas afirmam que a discriminação influencia negativamente a realização de seus sonhos.
Juliana compartilhou sua própria jornada para o doutorado, que enfrentou muitos desafios. Depois de uma cirurgia grave, ela precisou de um mês para se recuperar e recebeu ajuda intensa de fisioterapia e apoio psicológico. Para conseguir ser aceita no programa de doutorado na Universidade de Londres, dedicou mais de dois anos a estudar e aprimorar seu projeto de pesquisa sobre gênero e desigualdade social.
Apoiada por seus pais, Juliana buscou sua independência financeira aos 19 anos, viajando sozinha pela Europa e visitando mais de 40 países ao longo de uma década. Ela sempre levou seus alunos, majoritariamente mulheres, para conhecer diferentes culturas e artes. Em uma reflexão sobre essa experiência, ela disse que, ao ver o mundo, percebeu que seu contexto familiar e social a impedia de sonhar. “Não era falta de capacidade, mas a ausência de referências e recursos que limitavam minhas oportunidades”, destacou.
O foco de sua pesquisa se deu a partir da percepção de como mulheres de favelas enfrentam desafios que combinam desigualdade de gênero e racismo, como relacionamentos abusivos e a falta de apoio no cuidado dos filhos. Embora o trabalho de cuidado represente uma parte significativa da economia, muitas mulheres continuam em situação de vulnerabilidade.
Juliana considera que suas experiências internacionais foram um divisor de águas. Aprender sobre a importância dessas vivências ampliou sua visão de mundo e suas perspectivas profissionais. “Viver experiências fora do Brasil é crucial para meu desenvolvimento pessoal e profissional”, afirmou.
A doutoranda também criou, junto à planejadora financeira Luciana Ikedo, um projeto chamado “Conexões pelo Mundo”, que leva um grupo de brasileiras a Londres para experiências imersivas em carreira e autoconhecimento. Durante a viagem, elas conhecem bairros icônicos da capital britânica e participam de palestras sobre educação financeira e autoavaliação. Ao final, cada participante escreverá um relato que comporá um livro coletivo.
Juliana conclui enfatizando que a meta do projeto é que cada mulher sinta que o mundo também é seu. “Quando uma mulher avança na carreira, ela inspira outras a acreditarem que isso é possível”, finalizou.